Mais segurança jurídica nas fusões e aquisições

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) anunciou no início de outubro a “safe harbor” (porto seguro), uma nova política para as operações de fusão e aquisição, que traz mais segurança jurídica às empresas adquirentes (compradoras) ao divulgarem irregularidades envolvendo a empresa adquirida.

O anúncio foi feito por meio da procuradora-geral do órgão, Lisa Monaco, e representa importante avanço sobre responsabilidade sucessória por irregularidades ocorridas em momento anterior à operação societária. Isso porque as empresas que reportarem ao DOJ a existência de eventual irregularidade na adquirida em até seis meses após o fechamento da operação poderão obter o “declination” – na prática, o governo dos EUA deixa de tomar qualquer medida em desfavor da empresa.

Segundo a política “safe harbor”, para obter o “declination” será necessário cumprir os seguintes requisitos: conduzir uma “due diligence” completa antes ou imediatamente após a operação societária; realizar a autodenúncia voluntária sobre as irregularidades envolvendo a empresa adquirida em até seis meses após o fechamento da transação; cooperar efetivamente com o DOJ e restituir os lucros obtidos com os atos ilícitos; remediar completamente as irregularidades no período de um ano após o fechamento do negócio.

Tanto a compradora quanto a adquirida (empresa-alvo) podem ser beneficiadas pelo declination caso façam a autodenúncia voluntária, remediação e restituição dos lucros obtidos nos prazos estabelecidos. É um grande incentivo para as empresas que possuem um programa de compliance efetivo e considerem adquirir uma empresa com histórico de irregularidades.

É importante destacar a extraterritorialidade da Lei de Prevenção à Práticas de Corrupção no Exterior dos EUA (“Foreign Corrupt Practices Act”, FCPA), visto que a lei se aplica não somente às empresas que atuam nos EUA ou negociam ações em bolsas lá, mas também a qualquer pessoa jurídica (e física também), independentemente de sua nacionalidade, caso o ato de corrupção esteja relacionado aos EUA. Por exemplo: reuniões e tratativas ocorridas no território norte-americano, transações por meio de instituições financeiras dos EUA, entre outras hipóteses.

Havendo práticas pretéritas de corrupção ou fraude a licitação envolvendo a empresa adquirida, a Lei Anticorrupção (Lei Federal nº 12.846/2013) estabelece que a responsabilidade da empresa subsiste no caso de operações societárias. Se a empresa-alvo deixar de existir (fusão ou incorporação), a empresa resultante da operação responderá pelos atos lesivos praticados anteriormente, restringindo-se tal responsabilidade ao pagamento de multa e reparação do dano até o limite do patrimônio transferido.

Na legislação brasileira, não há a previsão de “declination” em que a empresa se isentaria de penalidade. No entanto, existe a possiblidade de a empresa negociar acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção e, uma vez atendidos os requisitos legais, ter sua multa reduzida em até 2/3, bem como se isentar da pena de proibição de contratar com a administração pública, entre outros benefícios.

Nesse sentido, vale citar o acordo de leniência firmado no Brasil por empresa-alvo de operação societária tendo as negociações se iniciado por meio de autodenúncia voluntária antes do fechamento da operação. Trata-se do acordo da Car Rental Systems do Brasil no qual a antiga controladora e a atual participaram como intervenientes sendo solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa.

De modo similar à política “safe harbor”, a empresa-alvo fez a autodenúncia voluntária às autoridades no Brasil, realizou a devida apuração dos fatos ocorridos (investigação interna), cooperou efetivamente e se comprometeu com medidas para aprimoramento de seu programa de integridade, responsabilidade essa que envolveu a nova controladora no sentido de destinar os recursos de pessoas e financeiros para o programa de integridade.

Como resultado de sua efetiva cooperação, apesar de não ter recebido uma isenção completa das penas, a empresa-alvo da operação societária foi beneficiada com diminuição no valor da multa e isenção da pena de proibição de contratar com a administração pública.

Em acórdão de junho deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu não aplicar a sanção de inidoneidade (para licitar ou contratar com a administração pública) à empresa envolvida em práticas de fraude à licitação em razão de alteração de seu controle acionário no qual a nova controladora não teve conhecimento ou participação nas irregularidades ocorridas antes da operação.

Na decisão, o ministro relator destacou a realização de due “diligence” prévia pela empresa adquirente momento em que não havia informações suficientes para aferir a exposição da adquirida nas mencionadas irregularidades, visto que a operação se concretizou antes da instauração do processo sancionador.

O ministro relator do TCU ressaltou ainda que não se trata apenas de sopesar os efeitos econômicos da declaração de inidoneidade, mas de examinar qual patrimônio jurídico seria efetivamente afetado pela inidoneidade, visto que a nova controladora adotara as cautelas necessárias (“due diligence” prévia), não participara das irregularidades e poderia ser surpreendida com a declaração de inidoneidade da adquirida, em evidente prejuízo ao princípio da segurança jurídica.

Tanto a nova política do DOJ quanto os exemplos de nossa legislação trazidos aqui são novidades extremamente importantes, visto que proporcionam mais segurança jurídica aos investimentos e operações societárias envolvendo ativos em países com índice de corrupção elevados ou com faturamento significativo proveniente de contratos públicos.

Na hipótese de práticas pretéritas de corrupção ou fraude à licitação envolvendo a empresa-alvo, eventual multa aplicável poderá ser prevista no contrato de compra e venda, porém eventual proibição de contratar com o governo seria de difícil mensuração e poderia inviabilizar o negócio dependendo do percentual do faturamento da empresa adquirida proveniente de contratos públicos.

No atual cenário em que o mercado brasileiro registrou 468 operações de M&A e movimentou R$ 64 bilhões no primeiro semestre deste ano (segundo o relatório da TTR Data), conduzir uma “due diligence” de “compliance”/anticorrupção robusta em operações societárias é imprescindível para identificar eventuais pontos de atenção envolvendo a empresa-alvo, seus sócios e administradores.

A adoção de um programa de integridade robusto para prevenir, detectar e remediar eventuais irregularidades será de grande valia na celebração de acordos de leniência (ou obtenção de “declination”) por atos ilícitos envolvendo a adquirida ou mesmo na defesa da empresa em processo administrativo de responsabilização, visto que representará um importante fator de redução da multa aplicável.

Cadastre-se em nosso mailing para receber em seu e-mail a nossa newsletter com as últimas notícias publicadas!

CADASTRE-SE EM NOSSA NEWSLETTER

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES 
EM PRIMEIRA MÃO

Leia nossa política de privacidade.

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore